Morte
Era uma vez.
Assim começam todas as histórias que prendem essa atenção tão pura que é a atenção de uma criança. Esse inicio mágico desejado que se reflecte no brilho dos seus olhos. Assim desta forma, começa esta história nesse ponto que tudo contem em si e que no entanto, simultaneamente, é nada.
O infinito é tão estático sem cor, sem som, um vazio tremendo. Uma existência que não existe e cobre todo o espaço que não o é.
Uma vontade maior que todas as vontades, uma vontade maior que o infinito, faz mover o espaço. Este, por sua vez, entre o desejo que sente pela expansão e o desejo que sente em regressar a si mesmo, cria um anel em torno da sua origem. Em torno desse ponto gira, e no seu interior manifesta todas as memórias que possui. O manto tão profundo, alto e distante que o envolve, a negra essência disforme que o embala é o ventre, que através da oposição, pelo poder das suas trevas, permite o raiar da luz e a origem da vida. As trevas é o consorte da luz e na memória da sua expansão, este ser infinito de movimento, gera o dia e na memória do seu inicio, este ser infinito gera a noite. Assim surge a ilha no mar eterno.
Todo o corpo tem por base o movimento, um circulo eterno sobre si mesmo, uma noite findada pela aurora pura, magica de um sol expresso no olhar e sorriso de uma criança. As ultimas horas findadas nas memórias intemporais do por do sol, cuja tranquilidade do seu cerrar de pálpebras incute no olhar que fica a certeza de algo para além do horizonte aguarda. Embora o corpo se arraste pela noite, no inferno das sombras e incertezas, ao longe sente a alvorada do retorno. Até que essas horas cheguem, divaga a alma ao sabor do mesmo vento que arrasta as folhas, uma viagem ao interior de si mesma, através das frias grutas invernais.
Assim, partilhando da memória que possui, morre este ano. A sua noite chegou. Fechado sob si mesmo, reflecte e absorve todas as experiências que viveu.
Que a morte gere a vida mais e mais purificada.
Mem Gimel