segunda-feira, fevereiro 07, 2005

Glauco


Posted by Hello

“Deus marinho de barba verde-acinzentada, largos ombros, braços azulados, pernas curvadas com barbatanas na extremidade; apaixona-se pela bela Cila, que apavorada pela súbita presença de Glauco, põe-se em fuga, pelas águas, pelas rochas, pelas cavernas submarinas.
Mas o amor do pobre deus era definitivo. Desesperado, ele lança-se em perseguição da ninfa, implorando, com gritos e prantos convulsos, que lhe conceda um pouco de atenção.
Impassível às súplicas, Cila continua na sua fuga. Tem por objectivo esconder-se num lugar tão secreto e inacessível que jamais o feio Glauco conseguiria encontrá-la.
Depois de inúteis buscas, o deus é obrigado a reconhecer a sua derrota. Apenas algum poder superior lhe facultaria conquistar o afecto da formosa ninfa. Um poder como o de Circe, a feiticeira.
Abatido, torturado, Glauco dirige-se para a ilha de Ea, onde morava a feiticeira, e, por entre suspiros e lágrimas, roga-lhe que o ajude a conquistar a tão amada ninfa.
Circe promete atendê-lo. Entretanto, acaba por se enamorar do feio deus. Não lhe importa o aspecto horrendo de Glauco: a sua riqueza de sentimentos fascina-a.
A mesma dolorosa peregrinação reinicia-se. Ao encalço do amado, Circe põe-se a percorrer os mares, sem descanso. Quando por fim os seus encantos de mulher se revelam insuficientes, ela recorre aos seus poderes ocultos. À sua habilidade de transformar pessoas em monstros. Decide fazer de Cila uma criatura tão horrenda e repulsiva que todo o amor de Glauco haveria de mudar-se para aversão.
Sem ser vista, a feiticeira derrama veneno nas águas de uma fonte onde a ninfa costumava tomar banho. Depois retorna para Ea e ansiosa, aguarda pelos resultados.
Cila mergulha na água enfeitiçada. O seu belo corpo esguio começa lentamente a transformar-se. Monstros horrorosos surgem à sua volta, com ensurdecedor alarido. A ninfa, amedrontada, procura fugir-lhes. Mas eles estão sempre a seu lado. Então Cila descobre que são parte de si mesma, nascem do seu corpo. Desesperada corre ao encontro de Glauco nos seus braços chora longamente. Ele também lamenta a beleza perdida, mas recusa-se a permanecer com a antiga ninfa. O grande amor não existe mais.
Cila retira-se para longe. Vai viver no estreito da Sicília, aterrorizando os mortais que antes a cortejavam, deslumbrados com a sua extraordinária beleza.
Na ilha de Ea, Circe inutilmente espera o retorno de Glauco. Revoltado com sua traição e crueldade, o pobre deus jamais quis visitá-la. E passou toda a existência cultivando a lembrança de uma ninfa bela e doce, que um dia se perdeu nos feitiços do ciúme.”